A inutilidade do que não é texto
Por Alexandre Honrado
Vejo como um dos exercícios mais desgastantes da condição humana a alternância continuada e muito pressionante entre o quase eufórico momento da esperança – do messianismo religioso ao individual – e o talvez derradeiro momento do desespero.
A vida não é uma linha continuada, pré-definida, parece-se mais com uma barreira invisível que ao menor assombro pode levar-nos de um estado a outro, mais rápido que o gelo ao sol ou a água em ebulição.
Nessas passagens a que chamamos “viver” inclui-se naturalmente a pressão psicológica que pode tornar um ser, considerado equilibrado, vá lá saber-se o que isso é, num outro ser extraído ao primeiro, onde o poder da destruição, antes insondável, se liberta e destrói o mundo em torno.
Não vencemos as amarguras com convicções solipsistas ou encantamentos demiurgos, não convencemos com chavões antropocêntricos ou misteriosamente teocêntricos, mantemos o nosso grau de desconhecimento até ao zénite do que nunca viremos a explicar.
Subordinação ou infinito estarão nos extremos das escolhas e, todavia, a nossa pequenez humana ditou a condição das nossas grilhetas inquebráveis.
Vivemos mais uma crise da civilização, não é pior do que algumas do passado – só que esta é a nossa e custa mais a entender e a suportar. Acreditem que nem a história acabou nem está prestes a acabar, porque o que seremos é apenas mais uma etapa – diria o filósofo que “fomos esperados sobre a terra”; estamos ainda por cumprir.
Outro pensador, que também pensava muito sobre estas coisas, avisou-nos que não devíamos escutar apenas o coração dos textos, mas discordo dele, se me dão licença. É neles, nos textos, que encontramos o passado e o princípio estruturante da realidade – as duas categorias mais fortes para superarmos um presente tão adverso.
É por isso e por tudo o que aqui fica, em jeito de desabafo em hora escura, que me agrada a ideia de interpretar todas as categorias de realidade cultural como textos. Textos de horas claras, iluminados, iluministas – e não os que alinham palavras como suspiros acomodados.
Sem leituras somos cérebros em queda. Mas sobretudo sem leituras postas em causa, interrogadas, nunca aceites como corações fechados, nem cérebro somos. Somos nada – e esse nada é o convite explícito à condenação que por ora ainda não é a última frase do texto da vida que nos é dado interpretar. Leio-me enquanto me escrevo e é o outro que me surge.
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